segunda-feira, 18 de maio de 2015

TABACO BLUE


É preciso evitar o fumante,
É preciso segregar o fumante,
É preciso acabar com o fumante

Na civilização,
deixá-lo na chuva,
lembrá-lo do seu não lugar.

O não-lugar do inferno é o fumante,
O não-lugar do paraíso é o shopping,
O fumante deve não estar.



O fumante nos lembra da escolha.
O fumante nos lembra que é
possível escolher o suicídio em
detrimento da vida, é possível
comprar a morte em maços.

Ainda mais que o trânsito,
ainda mais que a fumaça dos automóveis,
ainda mais que a podre cidade de São Paulo.

É preciso evitar o fumante
O cigarro?
É preciso evitar a fumaça
O cigarro?
É preciso evitar a doença
O cigarro?

O fumante nos lembra da inviabilidade da civilização.

O fumante toma um fósforo,
apedreja o amigo
e escarra no cigarro
e escarra em todos,

lembrando a todos da impossibilidade do ser.

Um fumante dá canja manjando coxinha na chuva:
manjar dos deuses ou flash mob.

O fumante somos nozes.

sábado, 18 de abril de 2015

CONVULSÃO


Sonho incessante e sórdido
de sangue que suga o sol e o céu.
Que mobiliza e morde, mórbido,
deveras veloz a veia desse véu.

A dor, essa dinastia demente,
detona e doma mais dor em minha mente
e, dilacerando dentes e entrecortando entranhas,
fulgura em flor, formas fáceis e estranhas.

 


Por plena e simples necessidade
– ter teimosia in terna insanidade – 
devido ao dever destemido de domar o dom
– abafar o fanho afã do negro som.

No sarcófago em que sucumbe a sanidade,
Jaz o germe que gerencia a Aljubarrota:
rastejante rosto, rodeando e rondando a rota,
Débil de agora, dantes docilidade. (1995)
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                             Unir as pontas da vida
Escrito há exatamente 20 anos (eu tinha 19), ele ficou "na gaveta" até então. O original desapareceu e eu ainda o lembro de cabeça. Ele foi mesmo feito para ser lembrado pela sua sonoridade.

Hoje, duas décadas depois, resolvi desovar o bicho. Acho que hoje eu o entendo. Não o havia publicado por se tratar de um poema muito caricato, paráfrase declarada dos versos de Augusto dos Anjos... Hoje, escrevendo minha tese sobre o poeta, vejo que algumas de minhas ideias atuais já estavam intuídas ali: "Convulsão" representa poeticamente alguns aspectos de minha investigação sobre a poesia de Augusto. Talvez não seja um bom poema, mas é uma interessante reflexão crítica sobre alguns efeitos musicais e imagéticos da poesia de Augusto dos Anjos.

O interessante é que eu, obviamente, não tinha tanta clareza quanto à influência de Augusto neste meu poema, quando o escrevi. Pode não parecer, mas é um poema sincero. Falava do meu eu também para além do Eu de Augusto. Lembro de quem fui e de como tudo que está nesse poema é extremamente sincero. Um poema sincero não necessariamente é um bom poema, mas sinceridade (não confundir com "verdade") é bastante coisa numa poesia. Hoje vejo nele a sinceridade de Augusto e também a de Piva, a de Manoel de Barros (ainda que não seja tão poderoso quanto os versos desses poetas). Note: "sinceridade" como quem diz "inteireza", ou ainda como quem diz "entrega".

Daí que ele leva às últimas consequências uma maneira de se conceber poesia: a música contamina o pensamento até que ele se apresente em sua imagem e em sua lógica. Às vezes, as últimas consequências podem ser desastrosas, mas o caminho pela "saturação" (overdrive) é sempre um caminho válido. (Acredito piamente nisso e o barato dessa pedagogia é transformar o ônus em bônus).

Hoje vejo nele a "minha dor de cabeça, meu medo da morte", vejo minhas seções de terapia que um dia me apresentaram a mim mesmo. Esse poema resistiu à minha crítica impiedosa e martelou na minha cabeça quando estava escrevendo minha tese. Foi testemunha, agente e resíduo daquilo que fui. Ele foi capaz de dizer para mim - há 20 anos atrás - quem eu seria; ele traiu minha mania de perfeição e se impôs com sua música, me alertando sobre algo que a gente aprende quando escreve uma tese: a luta contra a mediocridade é uma luta eterna.

Se veio com tanta teimosia, que venha.

                                      "Quem tem que vir que venha,
                                            quem tem que ir, que vá"
                                                   (André Abujamra - Karnak)

domingo, 29 de março de 2015

O RUMO DO POETA


Toma teu rumo, poeta.
Trabalha, chora, peida, vive.
Não tem nada, na certa,
que tu tenhas que ninguém tive.

Trabalhas, poeta,
e defende teu futebol no declive.
Sobe morro, desce esporro
que teu coração partícipe,
só escreve do que à pena serve
e só condiz com Nínive,
se assim disser seu contracheque.

O mundo não espera, poeta,
semeia derrotas,
as tuas rimas tortas, quisera,
de nada adianta diante das pragas que nascem no teu quintal.

Te apruma poeta,
que quem corta não é a lâmina,
é o samurai.

BAPELOO


Quando nunca existiu, precisou a inventada,
        

   desde quando

Bapeloo caminha as eras a passos górdios.


Funciona assim: todos – todos mesmo –
já estavam quando Bapeloo não tinha aparecido.

Foi quando Ela fez que todos
– disse todos! –
inventassem que a partir
dali Bapeloo era fundamental.

Surgiu as guerras, a fome, a internet e Bapeloo alimentava
as contradições das pessoas até que
se tornasse a grande puta amante da história.

A Bapeloo era aquela pedra no meio dos macacos em 2001.

Era a pílula vermelha e a azul.
Nem Foucault, nem Agambem sacaram a Bapeloo,
mas queriam...

Dizem que nos últimos dias,
Augusto dos Anjos virá rir dos homens e das putas.
Virá cavalgando um verme gigante
(Moadib, príncipe de Araque)
para fecundar a terra antibapeluana.

Quando os cromossomos retornarem, daí,
a 46, dizem que Bapeloo volta
com todos os seus sacerdotes, seus Edis,
vomitando altares, regurgitando dízimos...

Ou quiçá, recalibrando o eterno-retorno,
o homem aprenda a cavalgar a Bapeloo

...Porque a necessidade dos homens é necessária!
  

       Quiçá a humanidade para além da humanidade
               venha
                             num bater de asas.
                                                             
                                             Só que não.
                                                            É ave Bapeloo,
                                                                                 Amém!

                                       •    Papel higiênico
                                       •    pasta de dente
                                       •    Leite
                                       •    salada pronta
                                       •    saco de lixo
                                       •    yogurte grego
                                       •    pão integral
                                       •    regador
                                       •    queijo branco
                                       •    chaleira
                                       •    peito de peru
                                       •    saboneteira banheiro
                                       •    margarina
                                       •    vanish
                                       •    limpa vidro
                                       •    sabão de coco pedra
                                       •    café
                                       •    ferro de passar roupa.