sábado, 18 de abril de 2015

CONVULSÃO


Sonho incessante e sórdido
de sangue que suga o sol e o céu.
Que mobiliza e morde, mórbido,
deveras veloz a veia desse véu.

A dor, essa dinastia demente,
detona e doma mais dor em minha mente
e, dilacerando dentes e entrecortando entranhas,
fulgura em flor, formas fáceis e estranhas.

 


Por plena e simples necessidade
– ter teimosia in terna insanidade – 
devido ao dever destemido de domar o dom
– abafar o fanho afã do negro som.

No sarcófago em que sucumbe a sanidade,
Jaz o germe que gerencia a Aljubarrota:
rastejante rosto, rodeando e rondando a rota,
Débil de agora, dantes docilidade. (1995)
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                             Unir as pontas da vida
Escrito há exatamente 20 anos (eu tinha 19), ele ficou "na gaveta" até então. O original desapareceu e eu ainda o lembro de cabeça. Ele foi mesmo feito para ser lembrado pela sua sonoridade.

Hoje, duas décadas depois, resolvi desovar o bicho. Acho que hoje eu o entendo. Não o havia publicado por se tratar de um poema muito caricato, paráfrase declarada dos versos de Augusto dos Anjos... Hoje, escrevendo minha tese sobre o poeta, vejo que algumas de minhas ideias atuais já estavam intuídas ali: "Convulsão" representa poeticamente alguns aspectos de minha investigação sobre a poesia de Augusto. Talvez não seja um bom poema, mas é uma interessante reflexão crítica sobre alguns efeitos musicais e imagéticos da poesia de Augusto dos Anjos.

O interessante é que eu, obviamente, não tinha tanta clareza quanto à influência de Augusto neste meu poema, quando o escrevi. Pode não parecer, mas é um poema sincero. Falava do meu eu também para além do Eu de Augusto. Lembro de quem fui e de como tudo que está nesse poema é extremamente sincero. Um poema sincero não necessariamente é um bom poema, mas sinceridade (não confundir com "verdade") é bastante coisa numa poesia. Hoje vejo nele a sinceridade de Augusto e também a de Piva, a de Manoel de Barros (ainda que não seja tão poderoso quanto os versos desses poetas). Note: "sinceridade" como quem diz "inteireza", ou ainda como quem diz "entrega".

Daí que ele leva às últimas consequências uma maneira de se conceber poesia: a música contamina o pensamento até que ele se apresente em sua imagem e em sua lógica. Às vezes, as últimas consequências podem ser desastrosas, mas o caminho pela "saturação" (overdrive) é sempre um caminho válido. (Acredito piamente nisso e o barato dessa pedagogia é transformar o ônus em bônus).

Hoje vejo nele a "minha dor de cabeça, meu medo da morte", vejo minhas seções de terapia que um dia me apresentaram a mim mesmo. Esse poema resistiu à minha crítica impiedosa e martelou na minha cabeça quando estava escrevendo minha tese. Foi testemunha, agente e resíduo daquilo que fui. Ele foi capaz de dizer para mim - há 20 anos atrás - quem eu seria; ele traiu minha mania de perfeição e se impôs com sua música, me alertando sobre algo que a gente aprende quando escreve uma tese: a luta contra a mediocridade é uma luta eterna.

Se veio com tanta teimosia, que venha.

                                      "Quem tem que vir que venha,
                                            quem tem que ir, que vá"
                                                   (André Abujamra - Karnak)

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