quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

MENSAGEM NA GARRAFA


a Goethe.



Vi ao longe, incerto, um homem na garrafa.
Eu e estrelas de tão longe vindos,
nem eu nem elas tampouco recordava
a armadilha incerta de todos os instintos.

Ao longe, uma mulher, disseram-me ser minha.
(Decerto bela que todos estupefatos).
E no canto à mente, de todos os retratos,
me fremia um calor contíguo à espinha.

Mas entre todos, quem eu era?
(e me vi aterrorizado)
Não mais supunha os passos
que em mim continha.

Só vi, aéreo, a musa que eu não tinha
e bêbado de horror me vi sozinho:
(Era eu o desgraçado na garrafa!)

Homem feito mensagem:
(um desgarrado em nau de náufrago)
testemunho último de um sonho imerso,
relato vão de voz em cárcere.

(– Pudera ter vivido um sonho intenso
num beijo em tua boca à estibordo?)

Fui soldado, albatroz ou âncora,
que se fez mensagem em eu garrafa?
E a musa que o poeta canta,
era minha e não podia ser tocada.

Assim é o homem que se fez palavra
(fala de amor, mas só se vê garrafa)
Não tem passado, que por glorioso seja,
nem tem futuro, adamastor em canto atlântico.

É do próprio código que eu lamparino o todo.
É da garrafa que, palavra, inundo
sem sacarrolha o meu grito mudo,
me fiz mensagem de presente surdo.

E meu canto, sempre mundo
E meu mundo, sempre estreito
ao pé da musa, ganha vulto
no céu de estrelas que ela tomou por leito.

E que ilumina toda minha estrada
Mar sem conforto, nem acostamento.
Mas ela sabe, à distância sabe,
Que não é mar de contentamento.

E ela sabe, à distância sabe,
que na prisão de uma garrafa,
é dalí que pra ela canto,
é alí que com ela deito.
Naquele mar temos sim um leito:
Aquele mar, que nos espelha o céu.