quarta-feira, 12 de novembro de 2014

A PALAVRA ABRIGA



a função do poeta é brigar com a palavra
até que a palavra vença
e a palavra vença é palavra como é palavra
a palavra avenca. se dentro da palavra havia palavras,
a palavra já nasce poema e o poeta que

pena
volta a rasgar seus poemas na inútil certeza
de que só a palavra a vença

                                        a   tensa

                                             a    venta
                                                                                
                                                                       (num jogo de iguais, quem vence é vendeta)


                                                                       Yo no creo en poesías, pero que las hay, las hay.

O JARDIM DO ZEN

Só se vive um poema quem cultiva um jardim. o jardim só se faz com ervas daninhas. só experimenta o zen quem vem ao jardim, porque no quintal da nossa vida, não há jardim sem ervas daninhas. virtuoso não é o mestre sem ervas daninhas, virtuoso é o mestre que as arranca todos os dias. só se arranca as daninhas com a mão. o próprio corpo é sempre a melhor ferramenta. aí o corpo se educa, se dobra para arrancar o mal – exercícios... mas a mão é a única ferramenta capaz de amar a erva que arranca: com movimentos bruscos o caule se quebra, a raiz perdura e na próxima chuva ela ressurge em sua petulância. a chuva é oportunidade única: ou faz brotar os picões, os pés-de-galinha, as tiriricas, ou deixa a terra fofa para arrancá-las. só se arranca os matos como quem convida. (os aikidoístas o chamam kokyu) todo movimento é convite é encontro daí se entende que o lugar da planta é ali e que só pela doçura ela sai: é preciso fazer com que ela saiba do desejo de sair.

você pode contratar um jardineiro: certamente terás um jardim profissional, é uma pena, a vida é para amadores. um jardim cultivado pelas próprias mãos é um jardim imperfeito como a vida é. um jardim cultivado por mim me cultiva: por isso no templo de Iwama, logo cedo, antes do primeiro treino, vamos todos ao campo. o movimento na terra respira o movimento do ser.

quando abandono meu jardim o mato nasce forte. quando abandono meu jardim abandono a mim. até aprender que as ervas daninhas também sou eu, eu devo cultivar meu jardim e meu jardim é a única coisa que tenho (porque ele é que tem a mim) até que eu entenda meu eu prá além. além do eu só a morte.

ANTOLOGIA




a vida é um vidro
de creme de milho
esquecido
num canto escuro de uma geladeira fria.


         certeza inviolável
         é cagar na calça.

        a mão que apedreja é a mesma que faz  poesia.