quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A Inviolável Certeza do Ser

Criança barrigudinha na loja de doces.
Entre o desejo e o doce,
Toda vitrine é vidro.

Criança barrigudinha na loja de doces.
Entredentes, o sonho:
O sonho, este deus infante.

Criança barrigudinha na loja de doces,
Na vitrine, vidrada...
Entre o desejo e o gozo:

Nem deus, nem diarréia, nem nada.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Mari, Teresa Minha


Da vez primeira que vi Mariana,
Jamais pensaria que sua teimosia
ainda maior que suas curvas
me poriam escravo, andando em círculos.


A segunda vez que vi minha Mari
Puz a chamá-la de minha.
E depois aprendi a fazê-la minha
(mas isso foi depois de muita ferida e muito pus)

A terceira vez era tarde (passava da meia noite,
seu pai não queria que eu dormisse em sua casa).
E daí ficou tarde, muito tarde...

Era tarde demais para obediências,
tarde demais para poemas, para sonetos:
toda a atmosfera se transformou em perfume...

E cada nuvem no céu transportava (e o faz até hoje)
uma flâmula ornamentada com cantigas de roda dizendo,
a frase mais simples e doce
(A frase onde moram, mesmo quando a contagosto,
os mais doces e lindos e intensos poemas de amor.)
– Eu Te amo.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Soneto em Hokusai no 01.



Se há um soneto em cada som alado
e em cada lado há um som mortal discreto,
me corre solto no palavreado
um tom que tão formoso e assim correto...

Teve suas chances de me ser um calo
e teve sonhos para ser um elo:
não pode ser meu som um sonho ralo,
nem vou deixar que fique só no quero.

No alto em sua volta, volta força
de meu choro, que sempre forma um barco
cheio de horrores em que eu seja imerso.

Sou feito desta alma, forma e vento
que enforma a água, o sopro violento...
Uma tormenta, Uma onda, um Soneto.

sábado, 8 de maio de 2010

Nina


(À Souza Cruz)

Minha paixão, minha doença,
Adeus.

Adeus meu vício,
minha palavra presa,



Meu vulcão-desejo
pintando glamour em tons de cinza:
Adeus.

Adeus à cada ponta de quimera,
junto às caras torcidas
de minha saciedade até a última expiração...

Adeus arremate do gozo,
ponto final do sexo.
Às reticências como auréolas,
místicas,
nas escuras e quentes noites de motel.

Agora basta!
(Bosta)

Para cada palavra que faltou dar-te,
deixo um adeus trocado como carta de trincheira,
como beijo de mãe que planta o filho morto,
como paixão de carnaval que nasce em óbito
(inda que cravada a ferro e fogo nas moles placas da memória).

Adeus para sempre e de uma vez por última:
Adeus pela certeza de seus prazeres falsos,

Pela caridade esquálida, esconderija da vaidade tua:
de ver teu lábio áspero em minha boca,
de ter teu hálito de guarda-chuva em minhas doces tosses de manhã.

Adeus meu vício, minha patologia.
Adeus meu garboso sonho de elegância e pigarros.

Prá onde vou, vou só
(E mais, não cabe dizer-te).

... Doces e virgens,
são as sementes do que ainda não fui.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

O SHUGYOSHA


O Shugyosha procura o Caminho,
Aproxima-se o rigor do inverno.
Provisões poucas, previsões roucas:
Mente tranquila, lâmina da katana.

quarta-feira, 10 de março de 2010

CAPET




E foi aos 33 que conheci o Diabo.
O Senhor de outras eras, com rabo de cavalo.
(O chapeu côco não se ajustava nos chifres).

Olhou-me nos olhos e, solene, me disse:
– Enfim sós.
Mais cocho que belo,
confesso,
tive certa pena.

Foi, sempre, o grito de rock pulsando no meu coração.
Antes de Cristo/Depois de Cristo,
foi sempre o sucesso
intermitente em todas as vidas que fui.


Entrepresas, me disse à socapa:
– Nada sério, disso não se trata:
Venho buscar emprego,
qualquer faculdade em beira de estrada.

Havia morado de favor,
nos fundos, na casa de um pastor.
Mas do aluguel não pagava nem dízimo:
ínfimo,veio em missão de paz.

Eu disse que haveria um problema:
– A função do Diabo é a guerra.
Mas depois de uma longa assertiva,
concordou que plantava umas armas
(Mas a Guerra, é o que o humano cultiva).

Avisei que à esquerda, no escritório,
havia uma brecha na prateleira.
Alí guardava meus deuses em jaulas,
junto aos meus livros de poesia e besteira.

E me disse:
– Sem problemas! O Diabo é cosmopolita!
(Os deuses é que são bairristas:
cada um diz, que é só ele que apita).

Agora, quando chego em casa,
encontro o Diabo na internet:
lendo Baudelaire e descascando uma punheta...

Mamãe e as visitas estranham:
– Onde já se viu? Isso não pode!
E, entredentes, eu rio:
– O que se esperava de um bode?

E é Ele que alimenta os companheiros,
naquele cárcere de biblioteca:
os livros de versos malditos,
os deuses nada cosmopolitos,

E replica:
– A função do Demo é alimentar a fé.
(E no meu castelo proletário,
ele bem que sabe,
que a demissão, por aqui, come até).

E além do mais, é justo ele folgar da gaiola:
ele é bem comportadinho,
sabe bem o seu lugarzinho,
seus pézinhos de cabra lhe dão um ar de pet.
(E meus amigos, sempre bêbados,
fazem piada e o chamam: "Capet").

Além do mais:
É amizade certa para a hora do vinho.
Quando possui a patrôa, formamos uma trindade-à-trois.
Companherão de casa: odeia banhos de sol, passeios pelo parque.

Aos 33 me fiz mais completo.
Aos 33 me fiz mais Mefisto.
Coitado foi Jesus!

Se criasse seus deuses em jaulas,
Se tivesse comido a patrôa,
(E se tivesse bebido mais vinho...)

Talvez tivesse impedido:
suas Guerras, seus Deuses e a Cruz.

~o0o~

Special Tks to the great photographer Theobald Bloom, for the goat's Photograph. (It's just perfect, isn'it?)

See this, and others works from Theobald Bloom in: http://www.flickr.com/photos/theobald_gloom/

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

MENSAGEM NA GARRAFA


a Goethe.



Vi ao longe, incerto, um homem na garrafa.
Eu e estrelas de tão longe vindos,
nem eu nem elas tampouco recordava
a armadilha incerta de todos os instintos.

Ao longe, uma mulher, disseram-me ser minha.
(Decerto bela que todos estupefatos).
E no canto à mente, de todos os retratos,
me fremia um calor contíguo à espinha.

Mas entre todos, quem eu era?
(e me vi aterrorizado)
Não mais supunha os passos
que em mim continha.

Só vi, aéreo, a musa que eu não tinha
e bêbado de horror me vi sozinho:
(Era eu o desgraçado na garrafa!)

Homem feito mensagem:
(um desgarrado em nau de náufrago)
testemunho último de um sonho imerso,
relato vão de voz em cárcere.

(– Pudera ter vivido um sonho intenso
num beijo em tua boca à estibordo?)

Fui soldado, albatroz ou âncora,
que se fez mensagem em eu garrafa?
E a musa que o poeta canta,
era minha e não podia ser tocada.

Assim é o homem que se fez palavra
(fala de amor, mas só se vê garrafa)
Não tem passado, que por glorioso seja,
nem tem futuro, adamastor em canto atlântico.

É do próprio código que eu lamparino o todo.
É da garrafa que, palavra, inundo
sem sacarrolha o meu grito mudo,
me fiz mensagem de presente surdo.

E meu canto, sempre mundo
E meu mundo, sempre estreito
ao pé da musa, ganha vulto
no céu de estrelas que ela tomou por leito.

E que ilumina toda minha estrada
Mar sem conforto, nem acostamento.
Mas ela sabe, à distância sabe,
Que não é mar de contentamento.

E ela sabe, à distância sabe,
que na prisão de uma garrafa,
é dalí que pra ela canto,
é alí que com ela deito.
Naquele mar temos sim um leito:
Aquele mar, que nos espelha o céu.