domingo, 29 de novembro de 2009

FELIZ COMO DOS MARGARITAS


Amarrou a chuteira. Ajeitou a meia. Era hora. Bola, goleiro, torcida, eu, tv, cerveja: e nunca assistia jogos de futebol (experimentava ser brasileiro numa quarta sem quarto de namorada).

Correu, olhou a bola, ajeitou de trivela: parou engasgando à bola. Olhou. Goleiro olhou. Torcida olhou. Juiz nada fez. Parei (a cerveja no beiço). Desliguei a tv, nem dei bola.
Computador. Quarto. Copo de whisky. Página em Word: sem palavras. Cem palavras e fui à net conferir notícias. Comentavam o jogo: jogo parou. Não teve pênalti. Não teve gol. Não teve bola, não teve grito, não teve replay, não comentários sobre time, chamadas de telejornais, besteiras de comentarista: não teve nada. Nada.

Mas era o nada que cheirava coisa. Coisa grande e forte que cheira e cheira. E o nada corria que nem cheiro de rango na hora do almoço. Pessoas saiam às ruas: sem pressa. Simplesmente saíam. Na tv, o jogo sem narração: mas não havia jogo, invadiram o campo. Não houve violência, nem corre-corre. Invadiram para invadir. Para ver o campo de perto. Queriam confirmar a realidade real do campo-verde-altar, como quem confirma falando sozinho com deus no céu. E naquele dia o céu era verde: verde do campo não-jogo, verde do país não-Brasil, verde da esperança não-burra.

Nas ruas, as praças ferviam como naquele campo verde. Sem corre-corre, invadiram para invadir. Confesso que saí tomado por aquela coisa verde, por aquele cheiro de almoço mágico que alimentava pelo ar. Um gosto de riso, num embrulho de apocalipse.

De lado a outro, o desejo por pessoas. Simplesmente começávamos a sentir cócegas uns pelos outros. Uma vontade por pessoas que desconhecíamos até então.

Naquela quarta-feira, a feira parou, o prédio parou, o trem parou e a igreja também. Enquanto ainda havia jornalistas, um deles falava na tv sobre a Praça. Tava cheia. Sempre cheia. Mas, dessa vez, o senhorzinho vestindo terno e bíblia, deixou a bíblia, desafogou o terno e, terno, conversava sem pretensões com um padre e com um corintiano egresso do jogo. Entre eles, sem verdades, mil veredas e, ainda assim, nenhum deus. A salvação não dava mais aposta, o futebol não adoçava a boca.

Havia uma ira, irônica, gerando cócegas nas vaidades... O repente tornou-se esporte nacional! Um vírus extirpava a candura das coisas. Recusava-se a vida como conivência. As novelas broxavam no ibope. Casas lotéricas abriam falência. Acho que o mundo enjoamos do mito do lugar exótico, dos saudosismos do que nunca fomos. O caldo em que nos afundávamos, a priori tão alienígena, era a reação convulsiva às nossas vidas de garrafas-plásticas, de avencas de apartamento, de telemarketing temos-muito-para-estar-enviando, de informações à wikisource.

Crescia o suicídio entre jornalistas e políticos. A política na mão das ruas. Os partidos perderam a função. A palavra escrita pela pena do cidadão: que pena! Não havia mais fato. Não havia notícia. Não havia verdade. Não havia palavras-varinha-de-condão, analistas político-econômicos, xoxalights plantonistas do óbvio, nem décadence à Joelmir-betings: queríamos o inusitado, escritos imprevisíveis porque humanos. Nos bares, a Lei de Mecenato aos Poetas. Num helenismo de agora, o verso sobrepunha-se ao fato: a prosa falava das coisas dos homens; só a arte, a poesia versava desejos e deuses.

Naquele fim de campeonato brasileiro, o câmera da grua, no foco da tv digital, bem na frente da bola, flagrou um inseto. Todos, incertos, assistíamos. Não sei, ao certo, o que aconteceu. Acho que tivemos medo. No fim do mundo, restariam os humanos, os ratos e as baratas.

PEDRA FILOSOFAL


Minha força ariana saiu prá comprar brioches e, aterrorizada diante ao inferno da bastilha, nunca mais voltou. Amanhã eu prometo que volto mordendo a vida, lambendo sangue às saias da guilhotina. Hoje carrego livros até o vaso, rascunho adubos na sacada e, replantando, me tomo a derrota dos brancos cabelos de Maria Antonieta.
Sabia: havia que se torrar a cesta básica em livros: no final das horas duras, são os únicos que suportam a chatice. Sempre os assisto nas prateleiras fazendo putaria. E assim vou cultivando Mogwais em caixas pretas, deuses em jaulas, bodes em caixas de Skinner, do modo mesmo como quem cultiva inúteis novos copos de cerveja, das promoções que, cigarrígenas, sempre acabamos fumando.

Sei, que as pessoas deveriam se atentar mais é pro esbugalhamento do ser. Mas elas andam muito ocupadas com seus automóveis às vésperas do farol. Tenho a impressão que todo mundo deve ter uma teoria acerca da duração do verde e da permanência do vermelho (ei-nos às voltas das grandezas inversamente proporcionais). A vida e suas regras de três.

O que as pessoas não se dão conta é o tanto de vida que mora dentro do tempo entre o vermelho e o verde. É o tempo amarelo. Existe uma vida amarela que vasculha, subterrânea, todas as covardias humanas, roendo estômagos que devoram, estúpidos, todas as fagulhas de gergelim do palhaço Ronald em amarelenta letra M. Das leveduras douradas que moram nos goles de chopp, nas bitucas de pretos M(s) de cigarro-forte, degustados em avenida de desfile-de-carro-barzinho, demarcadas, arame de trincheira, em cada cenário-cidade nos dias de pós-trampo, trash-hours, de sextas à noite.

Que amarelas são as luzes dos piscas-piscas dos carros à frente e atrás, que amarelentas são as faixas de não estacione (no meio fio): tão amarelas quanto as calcinhas economicistas de réveillon. Amarelo é o gosto de AAS, de frasconetes prá fígado, das moedas de vinte e cinco centavos, das fogueiras de violões-maconheiros-bobmarleys, das faixas em kombis escolares, dos sorrisos de patrão às 16:30 (ávidos por levedura amarelenta). Amarelas são as lâmpadas das grandes avenidas e as avenidas e as praças de monumentos, as gasolinas ainda nos carros flex, os dedos dos vagabundos, com violões amarelados, em fogueiras douradas, embaixo dos monumentos amarelados de outras tantas amarelentas praças também.

Amarela é a luz do meu terraço.
A literatura é eterna como o tempo morando dentro do semáforo.
Mas as pessoas, em seus carros,
As pessoas só querem passar.

ASSUNÇÃO


Volte para trás. Vou trazer algo para você, através do texto. Geléia, Gelo, Tigela e no avesso um guisado de jibóia com jiló (à guisa, sem a receita: Gisele e Ji-Paraná). Tudo em ascendência, ascensão. Ascender ao trono, sem acender uma vela? Houve períodos que era preciso dar um jeito de ser gente. Faço porque concebo: percebo.

Concertar os erros como num conserto sonoro. Por que a necessidade da compreensão? Onde estão minhas palavras? Peça um texto coerente, peça de quebra-cabeça, e não cessa mais o porquê das coisas. Este texto fala das aberrações, das exceções, dos insucessos e reza por excessos. Onde quero chegar? Quero saciar-me aonde houver despojos, mijando bocejos à janela (não margeando, nem imaginando) e suspeitando das censuras, das vagens lancinantes de azar. Nem asa, nem casa, outros urubus (ou freiras) pressionaram as cesuras: tensão e visão fixadas em lições facínoras, fascinantes... Churrascos outros já me causaram seções de massagem e alcachofra. Jovens são insanos mesmo. Sandices com cheiro de alcaçuz, de sândalo, de paroxismos e de maços e almaços de extintor.

Esta seção encerrou-se? Outras secções em valises esponsais? Viagens à parte, viajar para onde? Pasárgada? Persépolis? Faceirices por quê? Onde encaixa teus anseios? Eles vêm para saciar tua parcimônia? Ou eles vêem os proselitismos vorazes de tuas fosforescências? Qual é a tua essência? Onde estão seus sacerdócios? Estão aonde queres que esteja. Esfinge não é objeto: é ficção, é fricção.

Em fração de conta-gotas, na facção dos semáforos sem cela, há uma causa para todas as coisas que não são sustos nem suspiros nem sinais: houve evangelhos evangelizando por toda geladeira: gavetas com cação, açafrão (não havia salsichas nem vassouras)... Um pinguim de fraque acintoso, nada jocosamente, acentuou e, ajeitando o cinto, com duas barbatanas de prosa, tomou assento para dizer: “tá russo mer’mão!” Ruim, pensei. Sem sossego, sustei o saca-rolha para tomar consciência: “Com sorte minha consorte traz-me sonhos para o convescote!”
Sempre atrasado, como toda invenção de tradição... cozinhar ou expandir finge chulo churro de soslaio (com sabor salgado de andor e procissões de Nossa Senhora da Aparecida)

Onde e Aonde, Porquês!
Intenção de tensão, de tão intenso, tece a explicação antes do teso.
Explicação?

– Na Assunção de açucenas, os risos da infância se foram: sobrou sinestésicas anestesias que, injeções de álcool, devoraram todas as artérias em golpes venais. O que fazer com o que sobrou do céu, se todos somos anjos cindidos?
E se os cupins capilares nos cavam arte-aérias? Os Ventos nos soprariam pás-lavras?

– Quiçá as levem prá longe...
– Quão longe, tão perto.

MATILHA


Tudo a matilha audaz perlustra, corre, aspira,
Sonda, esquadrinha, explora, e anelante respira,
Até que, finalmente, embriagada, louca,
Vai encontrar a preza, —o gozo— em tua bôca.
(Teófilo Dias, A Matilha,1882.)


Nós, lobos, traímos como prova de amor e nos encontramos pela porta dos fundos.
Nas aventuras que moram nos canis dos meus desejos:

A monogamia como épico, a traição como pedagogia, a experiência como o abysmo,
No papel a relação sexual. A palavra venatória como materialização perversa do crime.
A perversão estetoscópio, a fantasia esfigmômetro.
Uma obra não se escreve do dia para a noite. Nem a vida.

...Havia um poste de seios a mostra, ocultando, sexy,
As curvas de minissaia, acenando as cintas-liga.
Há uma freira de calcinhas escolásticas nos sonhos e nos estúdios de tatuagem.
Como não percebes que a fidelidade é a mais viril das perversões?
Há uma gota de sêmen em cada volta de dedos que a garota motorista dá
Em suas madeixas de sinal fechado... E como dá gostoso!
Há uma ponta de incêndio em cada vão dos meus pentelhos
Circulando por umbigos, cus, dedos e pelos,
Queimando asfaltos, cristãos, evangélicas e códigos romanos (como um NeoNero).

A última gota de sêmen na ponta da glande,
A foto mostra uma pipa em nosso céu (o encontro tenro do meu pau em sua gruta).
Currada, a outra geme enquanto titubeio o gozo entre uma culpa e um sorriso:
Quantas mortes cabem numa ejaculação?
Quantas confissões locatárias nos quintais dos meus pecados?
Quantas mulheres outras já devorei em holocausto aos teus sorrisos?
Quantas outras infantarias de cintas-liga haverão de existir para acenar minha fidelidade?
Meu tesão pai-de-família, minha perversão sórdida de trair no teu corpo,
De gozar na tua boca, de comer todos os rabos do mundo pelo seu.

Há um gosto de vulva em cada uva. Encosto, glande, em cada úvula.
A Feroz Matilha, o meu corpo indócil, em cada célula,
Brinca, gatinhos com novelo, esfinge sorrindo enigmas,
Na folha do teu corpo onde tatuo os gozos dos meus perversos versos de traição.